“Não é dever do homem, como alguns querem fazer-nos crer, dedicar a sua vida à busca de coisas materiais. Mas é seu dever viver em harmonia consigo mesmo, e com o mundo natural”
(Rachel Carson, “Primavera Silenciosa”)
Foi dado o sinal de partida a mais uma cimeira das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, desta vez a COP (“Conferência das Partes”) nº 29, em Baku, no Azerbaijão, um estado autocrático que, para além de ser um grande produtor e exportador de combustíveis fósseis (autênticas “dádivas de Deus” para o presidente do país), possui um histórico de violações graves e generalizadas dos direitos humanos, razão pela qual tem sido uma escolha fortemente criticada aos mais variados níveis.
Numa altura em que a descarbonização das economias – processo de redução da emissão de dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa na atmosfera – e a transição energética são a grande prioridade mundial, não é bem entendido o facto de tal temática ser discutida em países que declaradamente se opõem à eliminação do petróleo e gás, que como é reconhecido cientificamente são os principais responsáveis pelo aquecimento global e pelas alterações climáticas.
” (…) entregar repetidamente a presidência das negociações da ONU sobre o clima a países petrolíferos é um absurdo” (…) “É um conflito de interesses direto, pois 90% da sua balança de pagamentos provém da venda de petróleo e gás”, afirmou o ex-vice-presidente dos Estados Unidos da América e atual ativista pelo clima, Al Gore.
De acordo com o Observatório Europeu Copernicus – o Programa Europeu de Observação da Terra – 2024 e desde que há registos, será o primeiro ano a ultrapassar o limite de aquecimento acima de 1,5°C por comparação ao período pré-industrial, situação que leva António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, a exigir uma ação urgente face à emergência climática que atravessamos e que afeta sempre mais os países pobres e as populações mais vulneráveis.
Com um clima cada vez mais instável e com o aumento da frequência e da intensidade de eventos meteorológicos extremos que continuam a devastar vidas e ecossistemas, como tivemos oportunidade de observar com as recentes inundações em Espanha, exigem- se medidas e maior compromisso de todas as “Partes” no combate às alterações climáticas, mormente dos países mais desenvolvidos, os mais poluidores…
“(…) no que se refere ao financiamento das alterações climáticas, o mundo tem de pagar ou a Humanidade vai pagar o preço”
(António Guterres,2024)
Ora, agora em Baku, temos mais um encontro, já apelidado da “COP das Finanças”, uma vez que voltará a ser debatido o financiamento climático, ou seja, o valor da ajuda, o “Novo Objetivo Coletivo Quantificado”, para financiar a transição energética e a adaptação às alterações climáticas dos que mais sofrem e menos poluem…
Note-se que Portugal já contribuiu com 68,5 milhões de euros para os compromissos de financiamento climático internacional (…) 12 milhões estão na conversão da dívida de Cabo Verde em investimento climático, e 3,5 milhões de euros na conversão da dívida de São Tomé e Príncipe, divulgou o governo português.
Uma COP já marcada por ausências importantes notadas, como é o caso da presidente da Comissão Europeia. De igual modo, tensões geopolíticas atuais e transições políticas no mundo são fatores apontados para justificar a ausência em Baku dos presidentes dos grandes poluidores do planeta – Estados Unidos e China.
Refira-se que Portugal está representado pela Ministra do Ambiente e Energia e pelo presidente do Instituto para a Conservação da Natureza e das Florestas e terá o seu pavilhão próprio onde serão abordadas áreas relevantes: Ação Climática, Energia, Água, Eficiência de Recursos, Biodiversidade, Cooperação Internacional e Pessoas.
Mas nesta cimeira, para lá do financiamento, serão ainda discutidos temas cruciais como, as metas climáticas dos países que, recorde-se, têm de ser renovadas a cada cinco anos, conforme o acordado em 2015 em Paris, e o assunto muito relevante da adaptação climática, isto numa época em que eventos climáticos extremos são cada vez mais frequentes e severos.
Para aumentar a capacidade de adaptação e mitigar os impactos adversos das mudanças climáticas precisamos, além da restauração de ecossistemas, como preconiza a ONU e a União Europeia, de políticas ambientais robustas, como por exemplo, boas infraestruturas, bons sistemas de saneamento e, muito importante, um cuidado ordenamento do território.
“(…) Deixou-se construir dentro de florestas, em cima dos rios, em leitos de cheias. Vamos ter problemas, já estamos a ter.”
(Luísa Schmidt, socióloga e especialista em políticas ambientais)
Só alcançaremos um desenvolvimento mais sustentável com um modelo económico que consiga harmonizar bem-estar humano, crescimento e a preservação do ambiente.
Tal será atingível com (1) baixas emissões de carbono (incremento das energias renováveis, mobilidade sustentável), (2) com o uso sustentável de recursos naturais, mormente a utilização racional de água, solo e biodiversidade (agricultura sustentável), (3) com tecnologias verdes que aumentem a eficiência e reduzam os impactos negativos no ambiente, (4) por meio de uma economia circular e de uma boa gestão dos resíduos que promova a reutilização, a reciclagem e o prolongamento do ciclo de vida dos produtos, reduzindo o desperdício.
Em suma, a Economia Verde é vital para uma transição global rumo à sustentabilidade e está alinhada com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, apresentando uma visão de futuro onde o progresso económico não comprometerá as gerações futuras.
Só deste modo reduziremos os riscos ambientais e a degradação ecológica e continuaremos a proporcionar prosperidade e justiça social à humanidade.
P.S.: Uma boa noticia é o facto do Brasil ter sido o local escolhido para a COP30 do próximo ano, onde por certo a Amazónia e tudo o que ela representa para o mundo estará no centro das discussões. Tenhamos esperança!
Carlos Jesus
Licenciado em Sociologia. Mestre em Ecologia Humana
Email: carlos.jesus@campus.fcsh.unl.pt
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