
Hugo Franco, ator e encenador alternativo da Comuna, atirou-se a uma comédia que tem feito um enorme sucesso em França, “Jantar de Família” de Pascal Rocher e Josephe Gallet. O enredo é bastante simples, mas só aparentemente. Um jovem de 25 anos que trabalha em publicidade, na Net, ao fazer 25 anos, convida para um jantar, em sua casa, os dois pais, há muito separados, o pai gay agora assumido e a mãe novamente casada e com três filhos do novo casamento, que raramente o visitam.
Para se assegurar da sua presença, inventa, para ela, que precisa que o ajude a preparar o jantar e a mesa, porque torceu um pé, e a ele, agora estrela de televisão, uma mentira maior – que está com uma doença terminal e uma esperança de vida de apenas seis meses. Ambos não sabem do convite feito ao outro progenitor já que se não podem nem ver.
E aqui Hugo Franco, em vez do cenário naturalista escolhido em Paris, usa outro totalmente louco, cor-de-rosa, cor que não existe nas vidas destas personagens, um pouco labiríntica – os seus labirintos interiores – e paralelepípedos empilhados como vidas/castelos de cartas que podem cair a qualquer momento, imaginação estrondosa de Renato Godinho.
Queda e reconciliação
Depois há, numa festa em que todos querem que o seu retrato fique bem e os pais se acusam mutuamente, usam uma representação, a princípio clownesca, de grand-guignol, uma decomposição de gestos, até que finalmente as máscaras caiam. E, de repente, o jantar transforma-se num rol de acusações mútuos, de ressentimentos recalcados e que, finalmente, vêm ao de cima. Rompem-se os diques das conveniências e das boas maneiras burguesas e como o povo diz, e bem, “Zangam-se as Comadres, descobrem-se as Verdades.”
São três personagens em perda e está-se sempre mesmo à beira do abismo, na\ altura de mudar de vida quando não nos sentimos bem nem na nossa própria pele. Seja em que idade for, todos temos direito à conquista de uma felicidade pessoal e profissional. Essa é realmente a grande mensagem desta obra divertida, mas que trata temas muito sérios em jeito divertido. Uma luz maravilhosa de Paulo Graça, uma tradução bem-adaptada de Luís Vasco, sem incorrer num humor popularucho, um cenário disruptivo com um final surpreendente do excelente Renato Godinho, e uma direção de atores bem cuidada numa linha que, se de início se estranha, depois se entranha, e em que o riso como diziam, e bem, os antigos, “fustiga os costumes“. O riso, bem como o Teatro, são uma arma poderosa. Três atores, a quem o encenador respeitou o seu poder criativo, que souberam “jogar” em equipa, gozando/brincando (representar tem de ter esse sentido lúdico, de puro prazer do que se faz – “jouer“, em françês, “play” em inglês – com as suas personagens (Rogério Vale, Maria Ana Filipe e Miguel Damião), que são um “doce” para qualquer comediante, e os figurinos clownescos de Maria Ana Filipe ajudam a construir estas criaturas humanas que, como o grande coreógrafo Maurice Béjart nos chamava – “Clowns de Deus“.
A grande inteligência cénica e a coragem de arriscar de Hugo Franco, e da sua solidária equipa, construíram este belíssimo espetáculo que é um sopro de ar fresco nesta casa, a Comuna, de tão bom Teatro.
Recomendo-vos vivamente. É um “Teatro obrigatório” – já o dizia o grande dramaturgo alemão Karl Valentin – Vão-se divertir, aplaudir, refletir e levá-lo para casa.
Há muita gente que, mascarando-se, só revela a sua verdadeira face no Carnaval. Como diz, também oo povo, na sua infinita sabedoria: “Se é Carnaval ninguém leva a mal.”
Ficha Artística / Técnica
Texto: Pascal Rocher e Josephe Gallet
Tradução: Luís Vasco
Encenação: Hugo Franco
Assistência de Encenação: Leonor Pereira
Interpretação: Rogério Vale | Alexandre; Maria Ana Filipe | Beatriz; Miguel Damião | Frank
Cenografia: Renato Godinho
Figurinos: Maria Ana Filipe
Gabinete de Produção: Rosário Silva, Catarina Oliveira e Carlos Bernardo Assistência Geral: Assunção Dias
Estagiários: ESAD | Beatriz Santos; IDS | Manuel Duarte, Maria Rita Malheiro, Gonçalo Marranita, Rita Silva, João Ferreira, Rafael Almeida, Luíza Silva, Pedro Raimundo, Daniel Silva, Letícia Delgado, Lanna Mafra, Beatriz Neves e João Abreu
Teatro da Comuna | Sala Novas Tendências
Até 6 de Abril de 2025 | Quarta e Quinta: 19h00 | Sexta e Sábado: 21h00 | Domingo: 16h00