
Um dos géneros teatrais mais difíceis de construir – texto, atores e encenação – é a comédia pois que além de o bom riso ser, como muitos o definiram – “o riso castiga os costumes” – a sua concretização, em palco, exige uns tempos e ritmo muito próprios e cuidados. Este texto de Vicente Alves do Ó. bom cineasta ainda, debruça-se sobre um problema real: a dependência doentia das redes sociais e dos telemóveis. É interessante este interesse de realizadores de cinema pelo Teatro, tarefa em que se empenharam, entre outros, João Canijo, Tiago Guedes e Marco Martins, cada um seguindo um caminho deveras singular.
Como crítico e espectador, que nunca me esqueço de ser, adoro comédias já que considero o riso um poderoso fator desmistificador do que nos rodeia, um seu olhar crítico. Por exemplo, o caso de Ricardo Araújo Pereira cujas intervenções, quanto à sua eficácia, e por ser inteligente, valerem mais que qualquer comício ou intervenção política. Caminho que, aliás e entre nós, foi o de um criador genial, Herman José. Vejam-se os tipos que, como heterónimos seus, foi sucessivamente criando.
Este “Os Bloqueados”, num cenário simples mas eficaz, uma sala alugada num qualquer hotel, junta quatro pessoas numa consulta com uma psicóloga, ela mesma também com alguns bons problemas. Todos eles são pessoas que sofrem uma imensa solidão e necessidade de atenção, padecendo ainda da ausência de uma real autoestima. Vivemos, de facto, numa sociedade em que a comunicação se tornou mais rápida e extensa mas em que a ilusão das centenas, senão milhares, de pseudoamigos angariados na Net, servem de uma espécie importante de validação pessoal num ranking e hierarquia que se tornam fundamentais para uma autoconfiança que é apenas aparente. E, com tudo isto, e ,na sua base, está uma tremenda solidão e o não cultivar do verdadeiro convívio, o alheamento do que se passa à sua volta. Vejo pessoas, com quem esbarro na rua, porque andam como se fossem zombies, a olhar agarrados ao móvel e de altifalantes na cabeça. Para este isolamento diatópico concorrem bastante as fake news, a divisão em tribos irredutíveis, como se cada grupo fosse possuidor de uma verdade única e incontestável.
Não sou, de modo nenhum, contra a Net nem as redes sociais de que tento usar e utilizar com conta, peso e medida. Mas também sou um leitor regular e interessado. Tenho o meu Facebook onde coloco os meus textos, Mail, Messenger, Linkedin e o WhatsApp, como ferramentas diárias, importantes de trabalho. Mas gosto de olhar em volta, de conhecer pessoas, de conversar com elas, de lhes dar atenção, e procuro estar atento às várias opiniões sobre temas essenciais. É bom sempre pôr as nossas certezas em causa e confrontá-las com o seu contraditório.
Estupendos atores
Para além do texto e não faltam, por aí comédias ou stand-up comedy que apelam aos mais baixos instintos do público, um riso alvar e estupidificante, usando um palavrão descabido, repetido e gratuito.
Mas Vicente Alves do Ó, ainda responsável pela direção de atores e encenação, conseguiu dirigir, caracterizando-os os vários tipos de pessoas, todos/as descompensados/as ,que nos apresenta nesta divertida e excelente comédia. Apresentando-os, através dos seus tiques e monomanias que revelam afinal uma flagrante insegurança e necessidade enorme de serem amados e aceites. A que a sua conduta e actuação, nas redes sociais e nas socialites que perseguem e seguem patologicamente, faz com que sejam sucessivamente bloqueados. A que não escapa também uma psicóloga só um pouco menos frágil que os seus pacientes e com vários problemas a resolver.
A composição física que reflete a diversidade de cada um, a forma como se vestem, falam, as mãos, o andar, o modo como se sentam- o do machão aqui bem retratado – foi levado a um detalhe do grotesco desmistificador que não se fica pela mera caricatura. Mas revela inseguranças que tentam compensar e disfarçar com atitudes que os levarão ainda a um maior isolamento e solidão.
São eles os cinco “magníficos”: Ricardo Barbosa, Sara Norte, Margarida Moreira, Margarida Antunes e Francisco Beatriz, que arriscam e lutam para cativar e atrair o público para esta boa aposta – divertir, criticando o que deve e pode ser criticado.
Esta é uma Companhia dedicada sobretudo à comédia – hoje mais importante no cenário nacional e mundial sombrio e ameaçador que habitamos – que se constituiu, com gente jovem e que ama o Teatro, como uma Associação Cultural. E, se seguir este caminho, creio que poderá vir a ter o sucesso que merece. Com um cenário simples que pode ser mais facilmente transportado em futuras digressões pelo país. E que falta nos faz um Grupo Teatral que se dedique à comédia e farsa. E que, pela sua composição e temas como este, deverá ter direito a um subsídio da Direção Geral das Artes/Ministério da Cultura.
Parabéns, pois, por esta agradável surpresa, pelo espaço do renovado Cineteatro Turim, em Benfica. É um espetáculo que recomendo vivamente e que, às 2ªs feiras, leva bom cinema, com obras criteriosamente escolhidas para crianças e adultos. Benfica, onde morei tanto anos – encontra-se bem servida no campo cultural. Para além, por exemplo, do belíssimo espaço do restaurado Palácio Baldaia.
AUTOR E ENCENADOR; DIRECTOR DE ATORES: Vicente Alves do Ó. ATORES: Ricardo Barbosa, Sara Norte, Margarida Moreira, Margarida Antunes e Francisco Beatriz.
Cine-Teatro Turim, Benfica. até 21 de Abril. 5ªs, 6ªs e Sábados, às 21h30 e Domingos, às 17H00.