Diário de Bordo – Crónica 5

Acompanhe o relato de uma viagem à Arábia Saudita, realizada por António Cruz e Ana Fialho, dois apaixonados por conhecer o Mundo e os seus recantos ainda pouco visitados. António, economista e Ana, professora, aproveitam todos as suas férias nesta exploração. Culturas diferentes, interação com os locais, gastronomia e fotografia são as suas preferências nestas descobertas.

Arábia Saudita dias 6 e 7

27 dezembro 2023

Viagem de Al-Bahah para Abha. E logo com uma surpresa. O caminho indicado pelo GPS, já é um velho conhecido. Vamos ter de descer novamente para a aldeia de Dhee Ayn, numa fabulosa estrada de montanha. A “copiloto” rezingou, mas felizmente só apanhámos um camião na descida.

Para variar, dezenas de controlos de velocidade. Aliás, devem ter comprado todo o catálogo de dispositivos de controlo de velocidade. Já vimos umas caixas quadradas, umas retangulares, uns tubos que se confundem com candeeiros, e a tradicional máquina montada num tripé à beira da estrada, com alguma camuflagem. Outra praga são as lombas de redução de velocidade. Existem milhares! Muitas com pouca visibilidade, pelo que atenção na estrada é fundamental.

Espaçadamente vamos encontrando grupos de macacos que atravessam a estrada a correr com sacos de plástico roubados dos caixotes de lixo. Paragem para um chá, que se deve pedir sempre sem açúcar. De outro modo é açúcar com um bocadinho de chá. Para levantar dinheiro os ATM são nas bombas de gasolina, numa casinha à beira da estrada.

Finalmente hoje conseguimos algo diferente para o almoço, do que frango. Borrego! Falar inglês no restaurante…nada! Tive de ir à cozinha ver os petiscos. O borrego foi servido com arroz que daria certamente para mais 6 pessoas e estava uma pequena maravilha, capaz de levantar mortos. Por mim ficava a estagiar nesta tasca, até aprender a receita.

Para hoje o ponto alto é a visita à aldeia histórica de Rijal Alma, com uma arquitetura muito característica e de influência iemenita.  É candidata a Património da Unesco. A aldeia era um importante posto comercial, nas ligações entre o Iémen, Meca e Medina. Só uma parte está ainda recuperada e visitável. A entrada tem um custo de 20 SAR, e inclui visita ao museu, que poderia ser muito melhorado, o que espero que aconteça, dentro da Visão Saudita 2030. Durante a visita cruzámo-nos com uns indianos, que adoraram sermos portugueses e houve reportagem fotográfica. O senhor até nos queria pagar umas bebidas, mas na realidade estávamos de saída e gentilmente recusámos.

A estrada de Rijal Alma para Abha, é um verdadeiro suplício para os carros. A subida é algo de inacreditável, quase a pique. Em poucos quilómetros sobe-se um desnível de 1.000 metros. Estrada proibida a veículos pesados. Basicamente são uns quilómetros de ganchos, ora para a esquerda ora para a direita, com uma  inclinação de muitos graus. Imaginem a “Copiloto”… duas destas no mesmo dia!

Escolha de hotel e o filme do costume. Inglês…nada! Telefonemas para trás e para a frente e a coisa lá se resolveu. Saída para visitar a cidade, a 2.400 m de altitude, e acontece a surpresa do dia. Descobrimos um bairro de casas de construção tradicional a ser reconstruído, e deparámo-nos com uma casa já totalmente recuperada, construída com madeira, lama e pedra. Vimos um portão aberto e fomos entrando. Numa mesa, um senhor de idade e um jovem conversavam. Perguntámos se podíamos fotografar a casa e fomos de imediato convidados a sentar com eles. Apareceram logo umas garrafas de água. Afinal a casa era particular e este senhor é o dono. Convidou-nos a visitar a mesma, sendo a casa onde nasceu. Trabalhou muitos anos pelo mundo daí falar muito bem inglês. O seu pai era o chefe de uma tribo da região, e todas as casas que se encontram à volta para recuperação eram dessa tribo. Ele custeou a recuperação da sua e o governo está a tratar das restantes. Fomos para a sala e de repente o jovem aparece com chá. Esta hospitalidade é algo de fabuloso. E ali ficámos um bom bocado na conversa sobre ele, a casa e o mundo. E a conversa apenas se interrompeu com o chamamento da oração do pôr do sol, caso contrário era bem possível ainda lá estarmos. Amanhã temos perna de 200 km para Jizan, no mar vermelho. Vai acabar o fresquinho da montanha.

28 dezembro 2023

Hoje passámos dos 9 graus da manhã, para os 36 da tarde. Saída de Abha, nas montanhas, para Jizan, no Mar Vermelho. Mas primeiro o pequeno-almoço. Um dos melhores, senão o melhor falafel, que já comemos. Assim que entrámos, logo dois para provar, ainda morninhos e estaladiços.

Vamos nessa! Conversa de onde somos, e não sei porquê, acham sempre que somos americanos, e assim que dizemos Portugal, mais dois de oferta. Este povo tem mesmo prazer em receber bem forasteiros. Da parte da manhã ainda fomos dar uma volta pela cidade, quando nos deparámos com uma casa de construção tradicional – pedra, madeira e lama – mas de arquitetura diferente das desta zona. Paragem para explorar e fotografar. Percebemos ser um restaurante/museu, e deixaram-nos entrar para visitar. Durante a visita, um senhor de bom ar dirigiu-se a nós, e num inglês muito bom, explica que é o dono, questiona de onde somos, e conta a história da casa. É uma construção típica da zona dele, que fica no deserto, entre Medina e Riad. Estava de saída, mas ia deixar indicação ao staff, para podermos visitar o salão reservado, que na realidade era lindíssimo. Mais um exemplo de bom acolhimento.

Início então dos 200 km que nos separavam de Jizan. Os primeiros km são vertiginosos, numa descida de montanha alucinante. Contudo, e aqui terei de alterar a minha opinião, conduz-se muito mal nas estradas de via única sauditas. Os mais rápidos passam de qualquer forma e em qualquer lugar. Hoje senti-me numa estrada da Índia, onde a regra de condução é não haver regras. Por fim, lá chegámos a uma autoestrada e a situação fica muito mais pacífica. A paisagem torna-se cada vez mais árida e monótona. Planícies a perder de vista, apenas pintalgadas de complexos industriais, pensamos nós serem de  extração petrolífera dadas as dimensões, e pequenos cones quase perfeitos de antigos vulcões. Os camelos voltam a reaparecer, substituindo os muitos macacos das montanhas. Hoje ao almoço decidimos variar. Foi frango, num restaurante de paquistaneses, muito simpáticos, que nos deram umas dicas de cidades a visitar, num país que está nos nossos projetos futuros.

Hoje a escolha do hotel em Jizan foi fácil, uma vez que decidimos ser o dia do miminho da viagem. Piscina, ginásio, spa, roupões, enfim, um sem número de mordomias. A piscina do hotel é só para homens, mas a água é apenas gelada, podendo mesmo dizer incrivelmente  gelada. Quem não pôde ir não perdeu nada.

Ainda tentámos ir ver como funcionava o ferry para as ilhas Farasan, mas é muito difícil encontrar pessoas que entendam o inglês. Conseguimos apurar que haveria um às 8H00, mas com regresso só às 17H00, mas sem muitas certezas. Com mais tempo arriscávamos, mas para manter o plano, e não hipotecar o resto da viagem, optámos por não ir.

Decidimos jantar no Mac já que estava convenientemente localizado em frente ao hotel e estávamos com curiosidade para experimentar os exclusivos do país. Lembro-me sempre do Macflurry de jaca, que só descobrimos na Malásia, e que é absolutamente delicioso. Aqui optámos pelo mais diferenciador que é o MacArabic Chicken – outra vez frango – mas é a única proteína disponível no Mac de cá. Não vai ficar para a história…

Um pouco mais à frente brilhavam as luzes dos inúmeros parques de diversões, muitos deles temáticos, junto à beira-mar, que acabámos por ir ver. No paredão, centenas de famílias fazem piqueniques, em cima dos seus tapetes. Nos parques, os miúdos divertem-se e vimos algumas curiosidades. Uma delas foi uma pista de areia para aluguer de moto 4, e que se alugam a qualquer idade. Capacetes não há. Vimos miúdos com 6 ou 7 anos, a acelerar com força naquilo. É assim que nascem os Nasser Al-Attiyah. Na feira de diversões, adquire-se um cartão recarregável, compra-se créditos, e cada diversão tem um leitor eletrónico, com a indicação dos créditos que vão ser consumidos. Além destes, ainda há o Dino Parque, O Far-west, O Super Mário, entre outros. Uma multidão enchia tudo isto. No que visitámos com mais tempo, vários locais abordaram-nos a perguntar de onde erámos. Um adolescente até queria que fôssemos atirar setas com ele, já que tinha o cartão carregado. Um grupo de miúdas questiona-nos se já provámos um doce regional, feito com banana e mel. Numa zona de jardim mais à frente, dezenas de famílias fazem piqueniques na relva, alugando um engenhoso sistema, de armação metálica, que faz de encosto para as costas e traz almofadas e tapete. Outras optam por ficar mesmo em frente ao mar, bebendo o seu chá e comendo os seus doces.

Amanhã começamos duas estiradas longas de 350 km cada uma, para finalizarmos com 2 dias em Jeddah. Não havendo cidades de dimensão pelo caminho a próxima paragem vai ser mesmo surpresa.

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  • Diário de Odivelas - Redação

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