
Depois de tempos pandémicos que tão cedo não queremos voltar a vivenciar e ainda não refeitos do repentino e inesperado desaparecimento do Papa Francisco, eis que a realidade nos volta a surpreender e a assustar-nos.
Eram perto das 12 horas (11:33 h) do passado dia 28 de abril, uma anomalia na rede elétrica em Espanha – “um Apagão elétrico” – deixava Portugal Continental ás escuras.
Algo improvável nesta sociedade moderna e altamente digital e que só vem reforçar os alertas acerca da nossa vulnerabilidade e da dependência absoluta da eletricidade e da tecnologia no nosso dia-a-dia.
Manifestamente sem eletricidade a sociedade moderna entra em crise e deprime.
Sucintamente podemos dizer que, ao que parece, a falha deu-se no sistema espanhol o que fez desligar uma série de centrais do país vizinho.
Acontece que o sistema ao colapsar apagou e deixou de nos fornecer energia, isto numa hora em que estávamos a importar energia de Espanha na ordem dos 33%, algo que, de acordo com a REN – Redes Energéticas Nacionais, entidade gestora da rede elétrica portuguesa, acontece frequentemente quando se torna mais barato recorrer à produção do país vizinho.
(…) “pouco antes do apagão estavam ligados 8,16 gigawatts (GW) do lado do consumo, e depois apenas 0,6 GW ficaram ligados. Em minutos ficaram desligados quase 93% do consumo” (REN,2025).
Como o nosso sistema elétrico não conseguiu de imediato pôr as duas únicas centrais portuguesas com capacidade de reiniciarem a partir do zero a geração e a distribuição de energia após um apagão – a central hídrica de Castelo de Bode, em Abrantes, e a central a gás da Tapada do Outeiro, em Gondomar -, foi necessário esperar algumas horas até se restabelecer a rede elétrica.
Para uma futura maior rapidez da retoma da eletricidade, caso haja uma situação como a de 28 de abril, o Governo está disposto a aplicar a função de “black start” (arranque autónomo) igualmente nas centrais do Baixo Sabor e do Alqueva.
O que é certo, é que de repente, sem nada o fazer prever, luz, internet e telemóveis – meios de trabalho e de comunicação por excelência nos tempos atuais – desligaram-se, uma ocorrência disruptiva que desorganiza e desorienta as rotinas da população e bloqueia o pensamento e a ação do individuo.
E agora? O que fazer? Sem televisão, sem internet e deveras preocupante, sem telefone, o que fazer?
Recorrer a um rádio transistor (que de obsoleto rapidamente passou a indispensável…) ou deslocar-se até ao carro a fim ouvir a emissão da rádio (honra lhe seja feita) foi a única forma de saber o que se estava a passar a cada momento, até porque a primeira reação oficial do governo só chegaria pelas 15 horas.
Com efeito, uma hora de almoço de um dia útil que do nada se transforma em hora de ponta, tais os efeitos que se seguiram.
Com comunicações cortadas, Multibancos desativados, Pais a largarem seus empregos e a caminho das escolas para recolherem seus filhos, Doentes e residentes em hospitais e lares incontactáveis, Metropolitano encerrado, Caos no trânsito com semáforos desligados, Afluência a lojas e supermercados (somente para quem possuía dinheiro vivo), para adquirir água, conservas, velas, lanternas e pilhas, toda uma nova realidade que tomou conta do país transformando um lindo dia primaveril.
Realce-se que ainda recentemente a Comissão Europeia e por estarmos a atravessar tempos conturbados havia recomendado que os cidadãos estivessem preparados para enfrentar 72 horas de isolamento, com alimentos enlatados e fogão a gás, remédios, lanterna, etc…
De imediato, e por haver pouca informação oficial, as mais variadas “teorias” começam a circular e a espalharem-se, o normal…
“Foi um incêndio em França”, “são coisas do Putin”, “é um ataque cibernético”, “é um fenómeno atmosférico raro”, “a culpa é das Renováveis” “agora só daqui a 3 dias temos eletricidade”, começa a ouvir-se nas ruas e à porta dos cafés, locais para onde a população se desloca na ânsia de saber mais…
Muitos ainda terão na memória o ocorrido em maio de 2000 quando metade do país ficou às escuras, dizem por causa de uma cegonha que chocou contra uma linha de alta tensão perto da Figueira da Foz e em 2021 quando um acidente com um hidroavião, em França, também nos deixou sem eletricidade durante umas horas.
Contudo episódios ligeiros que não causaram a perturbação deste dia 28 de abril.
Fenómenos que, diga-se, não são raros por esse mundo fora e que acontecem sempre que o sistema automático não deteta o erro.
Com efeito, França, Alemanha, Bélgica, Holanda, Itália e Espanha, tal como Chile, Brasil e Estados Unidos são países onde os apagões vão ocorrendo com maior ou menor impacto.
Uma falha da energia que em 28 de abril criou imensos constrangimentos no país e que desestabilizou por completo as habituais dinâmicas sociais, mas que, e como é normal em momentos de adversidade e de caos, é sempre uma ocasião onde vem ao de cima o melhor que há no individuo – o seu espírito solidário e comunitário, algo que se manifesta na preocupação com o bem-estar do próximo e na vontade de ajudar, colaborar e partilhar.
Facilmente sem qualquer preconceito nos aproximamos uns dos outros, conhecidos e desconhecidos, conversamos e disponibilizamos a nossa ajuda.
“Fazer o bem sem olhar a quem”, é o lema adotado nestes momentos.
Neste dia 28 de abril, que tão cedo não vamos esquecer, não foi diferente.
Foi ver condutores a partilhar boleias na sua viatura, pessoas na mercearia a emprestar dinheiro a desconhecidos para liquidar as compras ou a prestar ajuda a idosos levando-lhes alimentos ou garrafões de água a suas casas ou simplesmente pessoas debruçadas nas janelas do carro a escutarem e a divulgarem as notícias que chegavam através da rádio da viatura.
Em tempo de Apagão foi ver vizinhos a falarem uns com os outros….
Já noite dentro quando a luz começou a aparecer grandes manifestações de júbilo ocorreram e logo nos veio à memória sentimentos de tempos vividos em 2021 e 2022 aquando da crise sanitária. Desde pessoas à janela a bater palmas e a cantar, até carros a buzinar indiscriminadamente nas ruas, foi um expandir e um libertar de emoções. Afinal tudo iria ficar bem!
Voltámos a ser postos à prova e mais uma vez fomos resilientes e mostrámos a nossa força e a nossa determinação em continuar.
Mais uma vez tivemos consciência, de que os nossos modos de vida, assentes no bem-estar e na tecnologia, são muito frágeis.
Efetivamente há mais vida para além da internet e dos telemóveis.
Como alertou a Comissão Europeia no passado mês de março os efeitos das alterações climáticas e a instabilidade geopolítica a nível mundial podem tornar estes momentos de emergência mais frequentes.
Estejamos, pois, cientes e preparados para isso. Governantes, autoridades e cidadãos.
Para saber mais:
Estratégia Europeia para uma União da Preparação: prevenir e reagir às ameaças e crises emergentes, disponível em
https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/ip_25_856
Email: carlos.jesus@campus.fcsh.unl.pt
Facebook: Eu combato o Desperdício Alimentar