
Acompanhem o relato da nossa viagem a dois países asiáticos, Nepal e Butão. Feita em abril de 2011, por António Cruz e Ana Fialho, dois apaixonados por conhecer o Mundo e os seus recantos ainda pouco visitados. António, economista e Ana, professora, aproveitam todos as suas férias nesta exploração. Culturas diferentes, interação com os locais, gastronomia e fotografia são as suas preferências nestas descobertas.
Dia 4
Hoje o dia ainda começou mais cedo, porque partimos para o Butão. Pedimos pequeno-almoço antecipado no hotel, mas ao contrário do que era usual, este foi péssimo. A “lunch bag” era muito estranha.
Se entrar no Nepal foi complicado e demorado, sair não é mais fácil. Logo à entrada do aeroporto há uma revista corporal que confisca os isqueiros. Foi o meu caso. A seguir raio-x às malas. Segue-se preenchimento de papelada, novo controlo e mais uma revista. À Ana ainda foram revistar a mochila e ficámos sem o segundo isqueiro. Finalmente conseguimos chegar à sala de embarque. Mas com surpresa, antes do embarque e a caminho do avião, nova revista. Começa a ser paranoia!
Finalmente entramos no avião da Drukair, a companhia aérea nacional do Butão, e que com a Butan Airlines são as únicas a voar para o país, dada a dificuldade da aterragem, que já falaremos mais adiante. Se fizerem este voo, tentem ficar do lado esquerdo, porque têm uma paisagem maravilhosa, que vos acompanhará durante toda a viagem, curta, de apenas uma hora. Infelizmente não conseguimos esses lugares, mas deu para espreitar ocasionalmente. O comandante fez questão de avisar a passagem pelo Everest, completamente visível, e mesmo ali ao nosso lado, dada a sua altura. Mas a parte mais emocionante da viagem, estava para acontecer e é a aterragem, que vos posso dizer desde já, que é verdadeiramente espetacular, pelo menos para quem gosta de voar! É certamente uma das aterragens mais emocionantes, desafiadoras e espetaculares do mundo. O Aeroporto de Paro é considerado um dos mais difíceis do planeta. Está a 2.200 metros de altitude, cercado de picos com mais de 5.000 metros. Apenas 20 pilotos estão certificados para aqui aterrar. Para ajudar, apenas se pode aterrar visualmente, não há ajuda ILS (Instrument Landing System), ou seja, aterragem por instrumentos, sendo que tudo terá de vir da habilidade e precisão dos pilotos. A aterragem é feita em modo manual, entre montanhas, com uma descida em ziguezague, acompanhando um rio, até ao momento final de alinhar o avião com a pista. Mesmo no final, as curvas que o avião faz são bastante acentuadas, e quase que temos a sensação de que as asas vão tocar na montanha ao nosso lado. Com frequência há cancelamentos de voos, que são obrigatoriamente apenas diurnos. Depois desta aventura toda, aterragem em Paro em toda a segurança, num dia de sol e com uma agradável temperatura de 19 graus. Não esquecer que estamos a 2.200 metros de altitude, e que será a menor altitude a que vamos estar nesta viagem de descoberta do Butão.
Formalidades de entrada, não tão complicadas como no Nepal, mas mesmo assim com algumas particularidades. O visto para o país foi bastante complicado de obter, dado que o país tem limites anuais de entradas. O nosso demorou quase 6 meses a ser confirmado, e teve de ser solicitado por intermédio de uma agência portuguesa, neste caso a 4X4. Já falaremos sobre o sistema de turismo no país. Por agora estamos na entrada. O visto foi emitido para os dois num único documento, mas um “chefão” local, entendeu que não poderíamos fazer a entrada em simultâneo. Eu para um balcão e a Ana para outro. Fica uma fila parada à espera que a Ana entrasse, para me passar o documento, e o agente verificar o meu visto. Mas as particularidades não ficaram por aqui. Bens a declarar foi o próximo posto. No avião preenchemos um documento em que uma das linhas seria identificar a quantidade de cigarros transportados. Declaramos cada um de nós um volume de tabaco. Taxa alfandegária de 30 USD por volume… cada um tinha custado 10 USD no Nepal. Pagámos por um e o outro ficou à guarda da alfândega, que poderemos resgatar à saída do país. Um recibo bastante descritivo, com toda a nossa identificação, marca do tabaco, quantidade, etc.
À nossa espera um guia e um motorista, com um veículo 4×4, ambos trajados com os fatos tradicionais do país, que já falaremos. É a única forma de viajar pelo país, sempre acompanhados com guias locais e agências autorizadas. O Butão tem um sistema de turismo único no mundo. No ano em que fomos, apenas 20.000 vistos podiam ser emitidos. A aposta é na qualidade e não em turismo massificado. Além disso, há lugar ao pagamento de uma taxa diária e por pessoa, de Desenvolvimento Sustentado (SDF) no montante de 250 USD. O Estado providencia transporte, guia, motorista, alojamento e 3 refeições diárias. Esta taxa é totalmente aplicada em projetos internos ligados à saúde e educação. Também o itinerário está definido, sem ser possível alterá-lo.
Voltando ao nosso guia e motorista, ambos muito simpáticos e prestáveis, e sendo proibido aos estrangeiros fumar em público, sim, porque aos locais está totalmente vedado o acesso a tabaco, não havendo nenhum local no país que o venda. Fumar publicamente para os locais, dá direito mesmo a detenção. Segundo nos disseram os guias, havia já cerca de 300 pessoas presas no país por serem apanhadas a fumar. Aos estrangeiros vistos a fumar em locais públicos há lugar a pesadas multas. Mas como a vontade aperta, a única forma de fumar foi no carro, conforme as instruções dos guias. Se bem se recordam, os isqueiros foram-nos retirados na saída do Nepal. Depois de muitas tentativas, lá conseguimos que o isqueiro do carro funcionasse, e deve ter sido a primeira vez que foi utilizado, dada a teimosia em não querer ligar.
Alojamento no hotel Phuntsho Pelri, em Thimphu, capital do país, e para fumar, apenas no quarto e não na varanda ou à janela. Com muita sorte conseguiram-nos uma caixa de fósforos. O primeiro almoço foi no hotel, e uma deceção, pelo menos para mim. O Butão é o país da malagueta. É quase como se fosse um legume e não condimento. Está presente em toda a culinária, e faz parte de toda uma identidade cultural. Contudo, nos hotéis, esse ingrediente foi retirado da comida servida aos turistas. Felizmente havia uma salada de malaguetas com queijo de iaque, que satisfez a minha paixão por picante. Durante toda a viagem se vêm malaguetas secando ao sol, porque o consumo é mesmo elevado.
De tarde, sempre com os nossos guias, fomos visitar o Palácio de Thimphu, um dos grandes símbolos do país. É a sede do governo, mosteiro budista e residência oficial do rei durante o verão. Foi construído no século XVII, tendo sofrido bastantes alterações devido a danos provocados por terramotos. É um dos exemplos da extraordinária arquitetura tradicional butanesa, que não utiliza pregos ou cimento. É aqui também que acontece o famoso festival Thimphu Tsechu, em setembro, em que os pátios exteriores e interiores enchem-se de máscaras e danças sagradas. À entrada as mochilas têm de ser passadas pelo raio-x, porque tabaco não pode entrar. Fica na receção e é devolvido à saída.
Fomos também ao mercado de frutas, legumes, peixe e carne secos, um dos produtos muito utilizados aqui, sendo a forma de conservar alimentos, dados os invernos rigorosos desta região e certamente o seu isolamento pela neve. Volta pela cidade, que não tem uma ponta de trânsito, nem semáforos. Apenas num cruzamento se encontra um polícia sinaleiro, que em complicadas coreografias, controla os poucos veículos que passam. As crianças adoram que lhes tiremos fotos, para depois verem no ecrã da máquina e com uma coisa tão simples, passa-se uma tarde fabulosa. De mencionar outra situação curiosa. Aqui a escola desde o primeiro ano é lecionada em inglês, pelo que as crianças falam a língua de um modo quase perfeito. Tudo isto a pensar no futuro do país e facilitar aos adolescentes irem fazer o ensino superior no estrangeiro.
Depois do jantar, também no hotel e num horário bem cedo, saímos para dar uma volta pela cidade, sempre com os nossos guias. Fomos a ruas mais secundárias, e vimos uma realidade mais local. As lojas são espaços minúsculos, muitas vezes de apenas 2 ou 3 metros quadrados. O cinema, de tão pequeno, conseguíamos ver o ecrã do passeio. O talho vende também peixe fresco, muito arrumadinho na mesma bancada dos frangos. Os barbeiros dão verdadeiras tareias aos clientes, depois dos cortes, com massagens de chapada na cabeça e nos ombros. Mas parece ser relaxante, pela postura da clientela. As ruas têm dezenas e dezenas de cães. Sendo um país budista, não se maltratam animais. Além disso, os butaneses acreditam que os cães podem ser reencarnações de monges, pelo que maltratar um cão pode trazer um karma negativo. Mas são totalmente pacíficos, e só se vão aborrecendo ocasionalmente entre eles.
De regresso ao hotel, e falando da realidade local do país com os nossos guias, aprofundámos o tema do vestuário. A esmagadora maioria das pessoas, veste-se de uma forma tradicional. Segundo nos transmitiram, é quase que uma obrigatoriedade governamental, para assim se valorizar a cultura e a identidade nacional do país. Os homens usam o “GHO”, que é um fato muito semelhante a um roupão, até ao joelho, preso com um cinto na cintura, meias longas até ao joelho e sapatos de couro. Ainda têm um lenço enrolado ao redor do tronco a terminar no ombro esquerdo. O lenço para a maioria dos homens é branco, o amarelo só pode ser usado pela família real, e o laranja por altos funcionários do Estado. As senhoras usam a “KIRA”, que é uma peça de tecido enrolada ao redor do corpo, até aos tornozelos, fixada nos ombros com alfinetes de prata. Têm ainda uma blusa de manga comprida e um casaco curto. Também podem usar um lenço, muito mais curto do que o dos homens, também no ombro esquerdo.
Desta conversa surgiu também a questão do Índice de Felicidade Bruta, um dos indicadores mais importantes do país. O rei entende que o desenvolvimento do país não deve apenas ser medido pela riqueza material, mas também pelo bem-estar espiritual e social da sua população. Desde 2008 que é considerado o indicador oficial de progresso. Um exemplo a seguir pelo Mundo.
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