Se há contadores da água, da luz, do gás, porque não haverá um armário cujas gavetas abertas deixam contar histórias da nossa História, a deste país que, para «quem vem do lado do mar é um retângulo ainda extenso, como um degrau de mármore à soleira da porta, á entrada da Europa?» E se esse móvel é um contador antigo, talvez indo-português, muito terá para nos dizer do país que fomos, do que hoje somos, memórias que não devem sequer ser esquecidas.
Esta peça que a Comuna, numa excelente encenação de João Mota, nos apresenta agora. “O Contador de História” – faz parte de um convite que a Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril fez a 10 companhias históricas «Para apresentar uma criação artística ou reposição que contribua para a consciência pública do papel que o Teatro desempenhou na tradição democrática».
O cenário é simples: um palco vazio – tem boas palavras e os atores que as “vestem“, lhes dão a desejada cor, são os seus diletos narradores, ao estilo dos numerosos contadores de histórias que existem por esse Portugal fora na esteira de uma mui antiga tradição oral popular. Na direita/alta um imponente Contador e, sentado, à sua frente, um narrador/ator que nos irá introduzindo em cada uma delas, elemento como se fosse o compére de uma Revista ou um narrador brechtiano que, a determinada altura, discute o seu primordial papel com o corifeu – uma excelente Margarida Cardeal.
E aqui há que celebrar, num encantatório Narrador, o regresso celebratório aos nossos palcos, e à Comuna, de Carlos Paulo, de que aliás foi fundador. Quando se abrem as gavetas deste Contador/móvel, algumas têm histórias da nossa História, exaltantes, como a Revolução burguesa de 1383/85) ou a ação importante do Marquês de Pombal na reconstrução de uma Lisboa de raiz após o terremoto e maremoto de 1755, enquanto outras são bem mais tristes como o assassínio de D. Inês de Castro a mando de D. Afonso IV.
Estamos perante uma forma cativante e engenhosa de contar cenas essenciais da nossa História em que o seu autor, António Torrado, se vai servindo/citando outros ilustres autores como Gil Vicente – que estimulante foi ver João Mota dar uma vida vigorosa a esse “Monólogo do Vaqueiro” vicentino – António Ferreira, o autor da tragédia “A Castro” que a Comuna já levou à cena, o próprio Camões.
É um texto engenhoso na forma como nos apresenta os nossos muitos séculos de História, focado sobretudo nos reis de nome João, até ao tempo presente, e a esse 25 de Abril que nos libertou da tirania mais antiga da Europa. Com música, em que Miguel Sermão é o homem dos Sete Instrumentos, coro, canções emblemáticas que todos conhecem, com ótimos atores. Tudo isto faz um espetáculo que tem sido bem acolhido por um público que tem esgotado a lotação da Sala e que aplaude vibrantemente e de pé no final.
Um espetáculo que deveria ser levado em digressão como tarefa cultural e identitária que se impunha e sobretudo ao às Escolas Secundárias, se houvesse mais dinheiro para essa digressão que se impunha. A não perder, ao entrar para a Sala de Teatro, a importante Exposição que nos dá testemunho do que faziam os principais grupos de Teatro existentes nos anos de 1974/75, em pleno PREC onde, mesmo com a abolição da Censura, duas peças foram censuradas: a “Cegada” da Comuna e “Eva Perón” de Copi, encenação de Filipe La Féria, na extinta e abatida Casa da Comédia, derrubada porque há demasiados Teatros em Lisboa…
Um espetáculo que, portanto, vivamente recomendo.
Ficha Artística / Técnica
Texto:
António Torrado
Direção:
João Mota
Assistência de Encenação:
Miguel Sermão
Interpretação:
Carlos Paulo
João Mota
Margarida Cardeal
Rogério Vale
Gonçalo Botelho
Francisco Pereira de Almeida
Músico:
Miguel Sermão
Cenografia:
Renato Godinho
Desenho de Luz:
Paulo Graça
Ponto:
Hélder Búgios
Espaço Sonoro:
José Pedro Caiado
Técnicos de Montagem:
Renato Godinho, Assunção Dias
Estagiários Técnica
Vasco Ramos | Mariana Gomes e Artur Trofimenko
(Escola Secundária Eça de Queirós)
Assistência Geral:
Assunção Dias, Selma Meira
Assistente de Produção:
Catarina Oliveira
Gabinete de Produção:
Rosário Silva e Carlos Bernardo
Classificação etária: M/12
Duração: 60 min
Comuna Teatro de Pesquisa
Sala Novas Tendências
Av. Calouste Gulbenkian
Praça de Espanha
1070-024 Lisboa
Até 7 de dezembro de 2024
Quarta e Quinta 19h00 | Sexta e Sábado 21h00 | Domingo 16h00