Diário de Bordo – Nepal e Butão | Crónica 5

Acompanhem o relato da nossa viagem a dois países asiáticos, Nepal e Butão. Feita em abril de 2011, por António Cruz e Ana Fialho, dois apaixonados por conhecer o Mundo e os seus recantos ainda pouco visitados. António, economista e Ana, professora, aproveitam todas as suas férias nesta exploração. Culturas diferentes, interação com os locais, gastronomia e fotografia são as suas preferências nestas descobertas.

Dias 6 e 7

O despertar aqui é algo sui generis. Às 07h30 em ponto, alguém batia à porta, gritando “Hello Sir! Wake up time!”. Depois de um belo pequeno-almoço, partida para Paro e de novo a estrada das milhentas curvas. No tal café, o nevoeiro mantinha-se e nada de vistas para os himalaias. Hoje, várias obras ainda atrasaram mais um pouco a viagem. Muitos trabalhadores são mulheres, que fazem o mesmo trabalho que os homens. Quer para uns quer, para outros, as regras de segurança são inexistentes. Vários trabalhadores pintavam à mão, os riscos centrais da estrada, sentados no chão, sem interrupção da circulação automóvel.

Almoço em Paro e check-in no Hotel Olatang, um dos mais emblemáticos do país. Foi inaugurado em 1974 para receber os convidados da coroação do rei, e é considerado o primeiro hotel do Butão, com umas vistas lindas para o vale de Paro. Tem vários bungalows, de arquitetura tradicional, onde ficámos.

Visita ao Museu Nacional, antiga torre do forte de Paro, em que grande parte dos artefactos expostos são de natureza religiosa. Vestuário, animais embalsamados, armas e selos, ocupam algumas salas. No Butão ainda existem em estado selvagem Tigres de Bengala, Leopardo das Neves, Urso Pardo dos Himalaias. Quanto aos selos estarem no museu, a explicação vem da sua grande procura por colecionadores de todo o mundo. Os selos têm uma importância enorme no país, como ferramenta de promoção cultural e educacional.

Perto da cidade, num longo campo plano, várias pessoas faziam tiro com arco, o desporto nacional. Os arqueiros disparam a longas distâncias, e sempre que se acerta no alvo, o que é muito comum, os adversários também celebram essa conquista. Ficámos ali um bom pedaço a observar a mestria e toda a atmosfera envolvente deste desporto tão apreciado.

Regresso ao nosso alojamento e caminhada pela propriedade do hotel, inserido numa zona de natureza muito tranquila. O jantar foi romântico, porque faltou a luz e os empregados, já certamente habituados a falhas energéticas, rapidamente iluminaram a sala com dezenas de velas. Mais tarde reparámos que até os quartos estão equipados com fósforos e velas.

Dia 7

O dia estava reservado à passagem perto do Tiger’s Nest, ou de nome oficial Paro Taktsang, e ao seu campo base. A decisão de não subir estava tomada, porque iria ocupar uma parte muito longa do dia, e era o nosso último, havendo ainda algumas experiências que gostaríamos de concretizar. O Tiger’s Nest é um mosteiro budista e um dos locais mais sagrados do país. Está a 3.120 metros de altitude, construído no século XVII num penhasco, e em condições normais, a ascensão demora 3 horas, mas para fumadores e em altitude, podem acrescentar uma hora pelo menos. Com mais uma hora para voltar, e uma hora para visita, é programa para 5/6 horas. Não se pode fotografar, o que ainda é mais desmotivador, para nós.

Optámos por outro programa, tendo pedido aos nossos guias duas situações: visitar uma escola e uma casa de pessoais locais. E assim foi. Paragem numa escola, e após duras negociações do nosso guia com o diretor da mesma, conseguimos o primeiro objetivo do dia. Fomos acompanhados por um professor de informática até uma turma do 8º ano. A turma tinha 30 alunos e estavam todos muito envergonhados com as visitas, as primeiras estrangeiras certamente. Quando entrámos na sala, os alunos prontamente se levantaram e apenas se sentaram à ordem do professor. Apresentámo-nos e perguntámos se sabiam onde era Portugal, ao que um dos alunos levanta o braço e responde, que era um país europeu e que fazia fronteira com Espanha. Cristiano Ronaldo passou a ser o tema de conversa. Como já mencionámos, todas as disciplinas são lecionadas em inglês, e a escola tinha aspeto de construção recente e com excelentes condições. Depois de uma ruidosa e em coro despedida, fomos visitar o templo de Kyichu Lhakhang.

Este templo, a 2.600 metros de altitude, e um dos mais antigos do país, construído no século VII, tem a particularidade de ter duas laranjeiras, consideradas símbolos de boa sorte e prosperidade, uma vez que a esta altitude não será normal que estas árvores se desenvolvam. Descobrimos que há no país um projeto agrícola de cultivo de maçãs a 2.000 metros de altitude. Não conseguimos provar nenhuma, mas o guia assegurou-nos que são deliciosas.

Depois de uma oferenda a Buda, o ritual que cumprimos a seguir, consistiu em beber água com cânfora. A água é colocada na nossa mão, bebida e depois deve-se passar a palma da mão pela cabeça. É um ritual purificador, uma vez que se acredita que a cânfora tem o poder de limpar a mente e o espírito, trazendo bênçãos e prosperidade. Como no budismo a cabeça é a parte mais sagrada do corpo, passar a mão sobre ela, é uma forma de aceitar a bênção divina e de receber boa sorte e proteção. É também um ato de humildade e respeito perante os ensinamentos espirituais, e uma forma de nos conectarmos com a energia do templo.

A seguir ao almoço, indicação do guia que estava tudo tratado para a visita à casa de uns agricultores, e assim sendo, o segundo objetivo estava alcançado. Fomos muito bem recebidos logo à entrada da casa pelo casal, uma habitação tradicional de agricultores, construída em tijolos de lama e madeira. Habitação muito humilde, praticamente sem nenhum tipo de mobiliário ou decoração. As únicas decorações que vimos, eram fotografias retiradas de antigos calendários de parede e estranhamente posters de wrestling, alguns do Batista, o que não condizia nada com esta família, muito simples. Levaram-nos para uma salinha, onde havia algumas cadeiras e fomos agraciados com um tipo de arroz tostado e seco, misturado com manteiga feita por eles, e meus caros, há muito tempo que eu não sentia o verdadeiro gosto da manteiga. Que delícia! Retrocedi vários anos, a uma velocidade vertiginosa, aos meus tempos de criança e a um sabor inesquecível, mas que se perdeu, o da manteiga artesanal. A seguir, a dona da casa traz-nos um tacho com uma bebida, quente, a Ara. Esta bebida é oferecida em ocasiões muito especiais e um sinal de boa hospitalidade. É feita à base de arroz fermentado, ficando semelhante à nossa aguardente. É aquecida e misturada com ovos batidos, que cozinham no calor da bebida, sendo ainda acrescentada manteiga. A Ana não ficou fã, eu bebi duas tacinhas. Ainda nos ofereceram sementes de malagueta, para plantarmos em Portugal. Posso acrescentar que não ficaram com o mesmo sabor das que provei. Experiência enriquecedora, e apesar de nenhum de nós se entender diretamente, comunicámos imenso. Por poucas vezes o guia serviu de tradutor.

Regresso a Paro para visita à fortaleza da cidade, Rinpung Dzong, onde foram filmadas várias cenas do filme de 1993, de Bernardo Bertolucci, “O Pequeno Buda”. Neste filme, a fortaleza representou o mosteiro de Lhasa, no Tibete. Regresso ao carro para ir buscar um casaco, porque não se pode entrar de t-shirt.

Depois desta visita, passeio pela cidade de Paro. O vermelho das réstias de malaguetas a secar ao sol, dão um colorido interessante às ruas. Num pequeno largo, um velhote cortava ossos de animais em pequenos pedaços, em cima de enorme tronco de madeira, já concavo de tanto golpe da machada. Ao lado ia fazendo uma pilha, que em certas partes estava preta, tal o acumulado de moscas. Soubemos à noite, que aqueles ossos são secos ao sol e utilizados durante o inverno para fazer sopas.

Última noite e convidámos o nosso guia e o nosso motorista para jantarem connosco no hotel. Infelizmente a entrada do motorista foi barrada, não podendo aceder à sala de refeições. Nem com muita negociação o diretor do hotel acedeu ao nosso pedido, sendo o jantar apenas a três e não a quatro, com muita pena nossa. Hoje vimos as notícias da TV e tinha sido o último dia para levantar o bilhete de identidade. A reportagem que vimos era o caos completo. Entravam numa sala 2 ou 3 pessoas de cada vez, e cada uma delas é que tinha de procurar o seu documento.

Reencontro com o motorista depois do jantar, conversa e entrega do tabaco que nos sobrou.

  • Diário de Odivelas - Redação

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