Diz…correndo… Na linha | Episódio 50

Meus Muito Saudosos Leitores, após um período de ausência, em que estive a cumprir “luto literário” pela Nobreza, cá estamos a discorrer de novo, vendo o país a ser pasto de chamas, sem sabermos o porquê. Recuando no tempo, convido-vos a sentarem-se comigo no Largo Engenheiro Araújo Correia, no Fratel,” terra de azeite e de mel “, como dizia o meu querido e saudoso sogro, e assim partilharmos as delícias de uma sardinhada para todos, ao ar livre.

Celebrámos o dia 10 de Junho de 2024, que já foi chamado de “Dia da Raça”. Outros tempos.

Como sempre, há voluntários para ajudar. Foram buscar seis assadores clássicos, de meio bidão, a um sítio, mesas e cadeiras a outro, e montaram tudo no palco de todas as memórias, antigamente chamado de “Rossio”. Houve sardinhas, entremeada e febras, em quantidade mais do que suficiente para as cento e sessenta pessoas inscritas, mais o vinho à discrição, pão, café e fruta no fim.

Tudo isso por doze euros, cada adulto.

A comida que sobrou foi gasta no outro dia, com os organizadores e mais quem apareceu para ajudar, segundo o que me contaram.

O dia teria sido perfeito, não fora o termos guardado para o fim, o dever de dar sepultura à Nobreza.

A filha mais nova pediu que fosse funda, a cova, para não correr o risco de a profanar, quando andasse a jardinar.

Fiz-lhe a vontade. E quando ajeitava a terra, compactando-a, lembrei-me do voto que se faz nos funerais: “Que a terra lhe seja leve”.

Ironia. Eu peso quase cem quilos.

Guardando na memória a imagem da pobre a ser coberta de terra, regressámos a Odivelas, num silêncio chorado internamente.

Recordei o que contou minha mãe, numa carta escrita em 1973, estando eu em comissão militar em Moçambique, sobre a mágoa de uma vizinha que perdeu o seu cão de estimação, que levava para todo o lado, chegando a pô-lo sobre a mesa do café, para lhe dar bolinhos.

O cão era pequenito, cheio de pelo, desagradável no ladrar, territorial em relação à dona. Não era simpático. Nunca me deixou afagá-lo.

A senhora decidiu sepultá-lo em lugar apropriado no Jardim Zoológico de Lisboa.

Tudo certo, até aqui. Mas um dia, atacada por saudades, gastou ”uma nota preta” para que ele fosse desenterrado, só para o rever.

Não se sabe o que ela viu, mas, quando chegou a casa, pôs termo à própria vida.

O que podemos discorrer daqui? Há anos que faço essa pergunta a mim próprio, e ainda não descobri.

Gato, Animal Jovem, Gatinho, Gato Cinza

Adeus Nobreza

Faço aqui a despedida,

De teu corpo, já sem vida,

Mas te guardo na memória;

Partiste, tão de repente,

Como se fosse urgente,

Reinventar a História.

 

Vais andar como um felino,

Sem ligar a um destino,

Que não sabes o que é;

Mas o canto da lembrança,

Enches como gorda pança,

E até danças de pé.

 

A sombra que se desenha,

Por raio de luz que venha,

Faz-me a cabeça virar;

Julgo ver o que não vem,

Pois já partiste, sei bem,

Mas não quero acreditar.

 

Será possível viver,

Sem um corpo a manter,

E nem sequer respirar?

A memória diz que sim,

Mas a saudade, no fim,

Custa muito a suportar.

 E o conselho da semana é: “Não fiques agarrado à morte pois, se não, não vives “

José Duarte

Imagem de Susann Mielke por Pixabay – meramente ilustrativa

  • Diário de Odivelas - Redação

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