Sociedade & Ambiente | Dessalinizar água do mar sim, mas…

Como sabemos perto de 70% do nosso planeta “azul” está coberto de água, mas apenas 2,5% dessa água é doce, sendo a restante salgada. Destes 2,5%, a maior parte está retida em forma de gelo na Antártida, no Ártico e nos glaciares, não estando por isso disponível para uso humano.

Resta-nos uma pequena quantidade de água doce que se encontra em aquíferos subterrâneos, incorporada nos solos, em lagos ou a escoar nos rios, algo manifestamente insuficiente para assegurar a saúde das populações, bem como as suas atividades.

Os riscos hídricos têm sido apontados há muito tempo como um dos maiores riscos para a sobrevivência da economia.

A água é fundamental para o desenvolvimento socioeconómico, para a produção de energia e alimentos, para a construção de ecossistemas saudáveis ​​e para a sobrevivência da espécie humana. A água é também essencial para fazer frente às alterações climáticas, servindo como elo crucial entre a sociedade e o meio ambiente.

Recorde-se que a Assembleia Geral das Nações Unidas reconheceu, em 2010, o acesso à água como um direito humano, e por considerá-lo estar no centro do desenvolvimento sustentável exigiu aos Estados, em 2015, que “garantam a disponibilidade e a gestão sustentável da água e saneamento para todos”, pode ler-se no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 6.

Ora, o aumento global da procura de água potável associado ao crescimento populacional e ao crescimento económico, juntamente com a diminuição das disponibilidades de água, muito devido às alterações do clima e à poluição, está a provocar escassez de água em muitas regiões do mundo.

A necessidade de mais alimentos, logo de mais água, vem preocupando as autoridades e a sociedade em geral, tornando por isso urgente a procura de alternativas, porque não há vida sem água (mais de 65% do corpo humano é água).

Uma das soluções passa pela dessalinização, ou seja, transformar a água salgada em água própria para beber. Um processo que consiste na remoção do sal da água do mar para a tornar utilizável para uma série de fins, nomeadamente para a agricultura e para o consumo humano.

Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) observou que a água do mar evaporada e condensada se tornava doce, enquanto Da Vinci (1452-1519) percebeu que era possível obtê-la facilmente por meio de um alambique.

Uma técnica que não é nova no mundo – em tempos idos era usado por embarcações e submarinos para fornecer água doce à tripulação durante longas travessias – e que é praticada em zonas que sofrem com a falta de água, mormente em países do Médio Oriente (na Arábia Saudita, país onde a energia é mais barata e as regulamentações ambientais são mais flexíveis, metade do abastecimento de água doce é feito com água dessalinizada) e do Norte de África e em certas regiões da Europa, como é o caso em Chipre e em Espanha.

A redução da precipitação aliada ao aumento das temperaturas está a obrigar a Europa e Portugal a encontrar soluções alternativas para satisfazer as necessidades de água.

Com esse propósito e num país como o nosso, com uma longa extensão de costa, a dessalinização parece ser uma solução a considerar, não sendo, no entanto, um tema consensual.

“(…) terá essa água a mesma qualidade para consumo humano que a proveniente de fontes naturais?” questionam alguns.

Também os ambientalistas, apesar de aceitarem as suas vantagens, vêm a dessalinização como última opção preferindo a aposta num sistema mais eficiente do uso da água, na reutilização para fins agrícolas e industriais e na recolha e aproveitamento das águas pluviais, entre outras medidas.

Em Portugal temos, há mais de 40 anos, a funcionar em Porto Santo, na Madeira, uma central dessalinizadora, solução encontrada para fazer face à grande escassez de água potável na ilha.

No Continente, e dado o agravamento da falta de água na zona sul do país, o governo português acaba de aprovar a construção e exploração da primeira estação de dessalinização, a ser instalada no Algarve, no concelho de Albufeira, estando já prevista uma outra para o Alentejo litoral.

Apesar da dessalinização ser considerado pela União Europeia como um investimento “verde”, tem tido um sucesso limitado no fornecimento de água doce aos seres humanos, pois trata-se de uma tecnologia com inconvenientes significativos.

Além de se tratar de um equipamento altamente dispendioso e com elevado consumo de energia, acarreta impactos ambientais adversos nos animais, e nas plantas, marinhos.

Tal acontece devido ao facto da dessalinização produzir um subproduto chamado salmoura – uma solução salina concentrada com produtos químicos – que quando devolvida ao mar, pode prejudicar os peixes, os corais e o plâncton.

Não obstante entender a EU ser esta uma solução sem a qual algumas regiões não conseguiriam satisfazer as suas necessidades de água, não deixa de aconselhar tal investimento apenas em “último recurso” e depois de terem sido esgotadas todas as outras opções, como a reutilização das águas residuais e a redução das perdas e fugas nos sistemas de distribuição urbanos e nos sistemas agrícolas.

Em síntese, as pessoas, a natureza e a economia necessitam de água, um recurso finito que tem de ser bem gerido de forma a chegar para as várias utilizações.

A urbanização e principalmente os efeitos das alterações climáticas, como as secas persistentes, vão continuar a exercer uma enorme pressão sobre a disponibilidade e a qualidade da água, pelo que, transformar a água do mar, um recurso inesgotável, em água potável parece ser uma boa solução embora ainda haja caminho a melhorar.

Reduzir os custos do investimento, minimizar os impactos sobre o ambiente marinho e na vida aquática, e muito importante, baixar os altos consumo de energia, o que deverá ser feito com o recurso às energias renováveis, serão os principais desafios da dessalinização.

Contudo é vital que todos nós façamos a nossa parte na conservação da água, para garantir água suficiente para as necessidades atuais e futuras.

“Não temos nas nossas mãos as soluções para todos os problemas do mundo, mas diante de todos os problemas do mundo temos as nossas mãos.” (Friedrich Schiller, filósofo)

Para saber mais:

dessalinização de água do mar em Portugal – 42 anos de história “- Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos (APRH)

Carlos Jesus

Email: carlos.jesus@campus.fcsh.unl.pt

Facebook: Eu combato o Desperdício Alimentar

 

 

  • Diário de Odivelas - Redação

    Related Posts

    O armário dos contos | “O contador da história” na Comuna

    Se há contadores da água, da luz, do gás, porque não haverá um armário cujas gavetas abertas deixam contar histórias da nossa História, a deste país que, para «quem vem…

    SIMAR alertam para possibilidade de constrangimentos na recolha de resíduos urbanos

    Em comunicado os Serviços Municipalizados de Água e Resíduos de Loures e Odivelas alertam para a possibilidade de a recolha de resíduos urbanos poder sofrer constrangimentos no dia 9 de…

    Deixe um comentário

    O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

    Publicidade

    Sociedade & Ambiente | Só uma economia verde salvará o Planeta e a Humanidade

    Sociedade & Ambiente | Só uma economia verde salvará o Planeta e a Humanidade

    O armário dos contos | “O contador da história” na Comuna

    O armário dos contos | “O contador da história”  na Comuna

    Mais de mil escuteiros, em Odivelas, no Festival Nacional da Canção Escutista

    Mais de mil escuteiros, em Odivelas, no Festival Nacional da Canção Escutista

    Conversas Com Alma – edição de 10 de novembro

    Conversas Com Alma – edição de 10 de novembro

    SIMAR alertam para possibilidade de constrangimentos na recolha de resíduos urbanos

    SIMAR alertam para possibilidade de constrangimentos na recolha de resíduos urbanos

    Cuidadores informais viram “A Ratoeira” na Malaposta

    Cuidadores informais viram “A Ratoeira” na Malaposta